PUBLICADO NO JORNAL "NOVA VERDADE" EM 1 DE FEVEREIRO DE 2015

“UM MINISTRO PORTUGUÊS ENXERTADO EM CAVALO AMERICANO NÃO SERIA RESISTENTE ÀS FILOXERAS?”

Originário da América do Norte, onde foi encontrado pela primeira vez em 1853, o filoxera insecto «que se alimenta do suco que extrai das raízes de certas plantas, nomeadamente das videiras»[1] provocando nas raízes nodosidades que acabam por enfraquecer e destruir as cepas, chegou à Europa no início da década de 1860, tendo sido as vinhas francesas as primeiras a serem atingidas.
A Portugal, segundo país europeu a ser invadido pelo insecto, chegou ele cerca de 1865, entrando pelo Douro, onde a doença foi pela primeira referenciada em vinhas do concelho de Sabrosa, daí alastrando a toda a região duriense ficando, contudo, circunscrita à mesma até 1880. Na Estremadura, a filoxera alastrou entre os anos de 1883 e 1886. O ano de 1887 seria já um ano de profunda devastação na região de Lisboa, onde Alenquer e Torres Vedras eram os concelhos com maior produção vinhateira.
Sendo um dos maiores proprietários concelhios, Sebastião José de Carvalho, Visconde de Chacelleiros, foi também um dos que mais se empenhou no combate à praga tentando erradicá-la, primeiro provocando a inundação das vinhas, e, perante as dificuldades óbvias deste método, promovendo o replantio da vinha a partir de castas americanas que se haviam revelado imunes. Será, pois, dessa luta tenaz travada pelo Visconde de Chancelleiros, que aqui deixaremos testemunho a partir da imprensa que então localmente se publicava.



Em Abril de 1890 noticiava o jornal O Alemquerense: «Chegaram anteontem, no vapor norueguês Thislle duzentos trabalhadores franceses que vêm trabalhar nas vinhas filoxeradas do sr. Visconde de Chancelleiros»[2].Esta notícia afigura-se-nos surpreendente, não tanto pelo recurso a essa experiente mão-de-obra, mas, sobretudo, pelo seu elevado número.
Mas foi assim, com determinação, que o grande vinhateiro alenquerense reagiu à desgraça que assolara o país vitivinícola, investindo fortemente numa pacífica “invasão” francesa, oitenta anos após uma outra, a napoleónica, que tão más recordações havia deixado no nosso concelho.
Mais uma vez, é O Alemquerense, atento ao que se passava nas vinhas da Ventosa, que relata o que por lá se passava, sob o título “Uma lição prática”:
«Domingo passado veio de visita a casa do sr. Visconde de Chancelleiros, na quinta do Rocio, o sr. Ministro das Obras Públicas, dr. F. Arouca[3], assistindo por essa reunião a alguns trabalhos de plantação de bacelos americanos pelo pessoal de mr. Qóury.
A convite do sr. Visconde reuniram-se ali por essa ocasião alguns dos seus amigos e pessoas de suas relações, quase todos viticultores e directamente interessados, portanto, em assistir àqueles trabalhos. Depois de um esplêndido almoço (…) dirigiram-se para a quinta do Monte d’Ouro onde assistiram à lavra do terreno para vinha e plantação de bacelos americanos”.[4]
Por esses anos de má memória, quem também visitou Sebastião José na Ventosa foi o Visconde de S. Romão (3º do mesmo título), Luís António Teixeira de Vasconcelos Girão, descendente de uma geração de vinhateiros do Alto Douro e tão impressionado ficou com o que viu estar a acontecer nas vinhas da Cortegana que publicou um minucioso relato no periódico Agricultura Portuguesa que O Alemquerense transcreveu:
«Estudadas e ensaiadas as americanas mais convenientes para os seus terrenos pela sua maior resistência e maior afinidade com as preciosas variedades da região, adoptou as Riparias, Solonis, Rupestris e Jacquez, constituindo no entanto as primeiras a maioria dos cavalos[5]preferidos.
Com a inteligência e ilustração que todo o país reconhece neste notável estadista e com a persistência e energia que constitui o apanágio de tão ilustre família, resolveu replantar as suas devassadas propriedades, no mais curto espaço de tempo, adoptando o seguinte processo que reúne todas as novas regras da cultura. Arrancada a vinha velha, foi efectuada uma profunda surriba[6] a todo o terreno, por meio de charrua “Vernette” tirada por 12 ou 14 possantes animais, sendo em seguida o terreno arrasado e nivelado com auxílio de apropriadas grades; seguindo-se a este preliminar trabalho a determinação no terreno da nova plantação, o que fácil e rapidamente foi conseguido por meio de riscadores.
A plantação foi feita em covatos, colocando-se os barbados à profundidade média de 36 milímetros, distanciando-se as plantas entre si 1,50 metros, possuindo já por este processo mais de 150 hectares perfeita e regularmente plantados e alinhados (…) As plantações são enxertadas no ano seguinte, adoptando-se os sistemas de fenda simples, cheia ou lateral (segundo o diâmetro do cavalo; a poda é em talão, utilizando-se para os granjeios culturais a charrua “Vernette” tirada por um único animal»[7]



Ainda neste artigo repleto de pormenores técnicos, como os acima transcritos que certamente agradarão aos mais conhecedores da matéria, António Girão dá também a conhecer que nas propriedades do Rocio e do Monte de Ouro «possui o seu previdente proprietário extensos e cuidadosos viveiros americanos adoptados para substituição de falhas, replantações futuras e, principalmente fornecimento de plantas a terceiros[8]».
Travada esta dura batalha, em 1893, já afastado da política, escreveu o Visconde de Chancelleiros a Thomaz Correia[9] uma carta “balanço” da sua vida em que se refere à situação de retirado político activamente empenhado na agricultura, fazendo notar que se encontrava afastado do «bulício da corte», na sua quinta do Rocio, na Cortegana, essa “Sintra alenquerense”:
«Faço lavoura, trabalho pela regeneração da nossa indústria vinícola, a favor da qual como v. sabe falei hoje na câmara[10]. Sou dos que pensam que da terra alma mater é que tem de vir, se vier, a nossa regeneração económica, que já não vem cedo.
Lá, no meu isolamento, onde já fui por mais de uma vez surpreendido e honrado com a visita de mais de um ministro, vejo e sinto muita verdade que não tem eco no âmbito da nossa política e que não é ouvida por eles. Se eu apanhasse um que não fosse de viagem de ida e volta, e me desse tempo, e tivesse pé para ser enxertado, mandava-o enxertar. Um ministro português enxertado em cavalo americano não seria resistente às filoxeras?»[11].
Penso que a proposta do Visconde continua válida…                         










[1] - Martins, Conceição Andrade – “A filoxera na viticultura nacional” in Análise Social, vol. XXVI (112-113), 1991, p. 653.
[2] - O Alemquerense, n.º 120 (24 de Abril de 1890), p. 3.
[3] - Frederico de Gusmão Correia Arouca (1846-1902), Ministro das Obras Públicas no governo de Serpa Pimentel.
[4] -“Uma lição prática”, O Alemquerense, n.º 123 (15 de Maio de 1890), p. 2.
[5] - Cavalo é o termo comum do porta-enxerto. Plantado este, passado um ano enxertava-se uma variedade local.
[6] - Lavra em profundidade.
[7] - O Alemquerense, n.º 236 (9 de Setembro de 1892), p. 2.
[8] - Sistema de exploração das propriedades em que o seu proprietário recebia 1/3 dos frutos e quem trabalhava a propriedade os outros dois terços.
[9] - Miguel Thomaz Correia (1860-1908) de Atouguia da Baleia?
[10] - Câmara dos Pares, a que pertenceu por direito hereditário enquanto filho do Barão de Chancelleiros. Então, o nosso sistema representativo era bi-camaral, com uma Câmara dos Deputados e uma Câmara dos Pares.
[11] - O Alemquerense, Nº 277 e 278 (23 e 30 de Junho de 1893), p. 2.

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