11 DE MARÇO DE 1975
E JÁ LÁ VÃO MAIS DE 40 ANOS...
(...)
Os generais inimigos
os generais garanhões
teciam teias de aranha
e eram mais camaleões
que a lombtriga que se amanha
com os seus próprios cagalhões.
com generais desta apanha
já não há revoluções.
Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos
E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.
(Ary dos Santos - As portas que Abril abriu)
Estava em Vila Franca, onde então trabalhava. Seriam para aí pouco mais que 12,30 horas e encontrava-me no intervalo do almoço (do meio-dia às duas da tarde) a beber um café no antigo "Central", quando um colega do banco chegou à beira de mim e disse: «Está a acontecer qualquer coisa em Lisboa... Parece que estão a atacar um quartel. Vê lá se consegues saber o que se passa...».
"Lá" seria o centro de trabalho do PCP logo ali ao pé. Aí soube que o "RALLIS" (RAL 1) tinha sido atacado por aviões da Força Aérea havendo mortos e feridos... Estava cercado pelos "páras"... Já não quis saber de mais nada e apanhei o primeiro autocarro para Alenquer, tendo em vista apresentar-me na minha organização, disponível para o que desse e viesse...
- Eram 11.45 /11,50 horas quando dos aviões T-6 da Base de Tancos, pilotados pelo Major Neto Portugal e pelo 2º Sargento Moreira, atacaram com metralhadoras e foguetes o RAL 1, fazendo 1 morto, o soldado Joaquim Carvalho e 15 feridos. Estava em curso um golpe militar chefiado pelo General Spínola, que, para já, contava com a BA 3 - Tancos, com as tropas paraquedistas do Coronel Durão e com as altas chefias da GNR que haviam tomado o quartel do Carmo.
Ao passar pelo Carregado verifiquei que havia imensa gente no cruzamento e decidi ficar aí. De facto, às 12,45 horas a Intersindical apelara à mobilização geral, o que levou à paragem de muitas fábricas e à concentração do operariado nos acessos a Lisboa.
E cheguei ainda a tempo de presenciar como as coisas estavam a ficar "azedas" com o agente da PVT (Polícia de Viação e Trânsito) junto ao posto que esta tinha nesse cruzamento. O agente tinha "medido mal a temperatura ambiente" e mostrara-se autoritário... Recuou a tempo, fechou a porta, montou na moto e sumiu-se. Ainda houve quem sugerisse que se metesse a porta dentro para controlar as comunicações aí existentes, para, desse modo, se ter informação actualizada do que ia acontecendo... Sensatamente a sugestão não foi aceite.
Entretanto, com a chegada de responsáveis políticos e sindicais, o trânsito foi cortado e o que se afigurava como uma concentração desordenada, transformou-se numa barricada organizada. Foi então que me dirigi ao centro de trabalho do PCP, num velho edifício hoje desaparecido, de onde se abarcava todo o cruzamento. Aí subi ao último andar do edifício e, lá das alturas, a vista sobre o local era fantástica. Contrariamente ao que foi sempre uma directiva imposta e aceite de não entrarem armas nos centros de trabalho, nesse dia, nesse último andar, havia umas "caçadeiras", por precaução...
Uma pergunta que girava no ar era esta: «E os socialistas? Onde andam os socialistas?». De facto esta força política demorou algum tempo a chegar, mas quando chegou e saiu dos carros, caramba, vinha bem organizada e de braçadeiras vermelhas bem visíveis nos braços. E também com vontade de mandar no povo mobilizado... Lá do alto, recordo-me bem, o Covas (que era de Alhandra e que por acaso era meu conhecido das lides filatélicas) parecia ser quem mandava mais... E bem lá no alto, nesse nosso "ninho de águia", íamos assistindo a este episódio, desculpem, com sorrisos condescendentes.
UM DOCUMENTO DESSE DIA...
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Em Alenquer, o Dr. Teófilo Carvalho dos Santos. face ao momento, tinha que chegar a Lisboa. Passar no Carregado, não seria problema, pois era suficientemente conhecido,.. Mas, a partir daí, com a estrada (a autoestrada, como a conhecemos hoje, ainda não existia) cortada em tantos e tantos outros pontos por barricadas? A solução foi este "passaporte" em que assinam Carlos Cordeiro, dirigente local do PS e José Manuel Miranda, já há muito falecido, funcionário e membro-suplente do Comité Central do PCP, então responsável pela organização de Alenquer.
Na verdade o documento ajudou aos fins desejados e o Dr. Teófilo Carvalho dos Santos alcançou Lisboa sem problemas.