PUBLICADO NO JORNAL "NOVA VERDADE" DE 1 DE MAIO DE 2016

A PROPÓSITO DO 1º DE MAIO…
O DESPERTAR DO OPERARIADO

Vila operária, Alenquer também viu nascer algumas instituições que esta laboriosa classe fundou para ocorrer aos problemas que a atingiam num tempo em que “subsídios de doença”, de “desemprego” ou outras prestações sociais, ainda não faziam parte da sua vida que se consumia nas 10 horas diárias de trabalho, 6 dias por semana e sem direito a férias.
Embora vivendo uma industrialização tardia face à Inglaterra, onde a “Revolução Industrial” se dera um século antes, ou à França,[1]também aqui, em Portugal, os movimentos operários, organizativos e reivindicativos, fariam o seu aparecimento. Como um eco do movimento de 1848 em França, no nosso país acabaram por germinar as novas ideias, destacando-se na defesa e propaganda do associativismo operário dois nomes, os de Lopes de Mendonça e de Sousa Brandão.
Ambos tinham como tribuna o jornal Ecco dos Operários, periódico de clara inspiração socialista, onde travariam parte da sua cruzada pela “associação”, objectivo claro de Lopes de Mendonça aí confessado tal como se transcreve:
«A revolução económica consiste em organizar o crédito, mas democraticamente; pelo trabalho, e não pelo capital; para o pobre e não unicamente para o rico; abolindo a usura, e não a disfarçando com contemporizações cobardes. (…) Para salvar a indústria da especulação individual, da concorrência, da anarquia, da guerra intestina, assimilar ao mundo económico o princípio da associação».[2]
A partir de então, de meados do século XIX, surgiriam por todo o país associações de classe (hoje sindicatos), cooperativas, montepios precursores da providência social, associações humanitárias e outras cuja finalidade era tornar menos negro o dia-a-dia da classe operária e das suas famílias.



 O MOVIMENTO ASSOCIATIVO OPERÁRIO
NA PRAÇA INDUSTRIAL DE ALENQUER NOS SÉC. XIX/XX

Todo este movimento organizativo acabaria, inevitavelmente, por chegar à vila de Alenquer onde laboravam quatro grandes fábricas: a do Meio ou da Companhia, a da Romeira ou do Lopes, a da Chemina e a da Companhia de Fiação ou do Ferreira, que antes de trabalhar a lã foi do papel até 1889.
A referência mais antiga que conhecemos a uma iniciativa local deste tipo consta de um requerimento à Câmara Municipal, datado de 25 de Setembro de 1872, em que uma Comissão Preparatória da Associação de Socorros Mútuos «criada por «iniciativa dos operários da Senhora Lafaurie» pedia permissão para a dita associação, destinada a pessoas que a ela se quisessem associar e residissem «na área de uma légua». Aí afirma a Comissão ter sala de sessões na Rua do Areal, bairro operário por excelência.
Aquando do Inquérito Industrial de 1881, consta do relatório da visita à fábrica fundada por Auguste Lafaurie que «não há caixa de pensões, económica, etc.», mas, em contrapartida, que existe «dentro da fábrica (…) um montepio para o qual os operários concorrem com a quota semanal de 40 réis, tendo direito a 160 réis em moléstias agudas, 100 réis em moléstias sub-agudas, médico e medicamentos, etc., em caso de morte recebe a família 4$500 réis para o auxílio do enterro.».[3]
Respondendo ao mesmo Inquérito, o administrador da fábrica da “Romeira” declararia que «paga o salário por inteiro aos operários que estão doentes», mas que «não há caixa de socorros mútuos ou outra, nem os operários pertencem a associações». Todavia, anos mais tarde, em 1905, o Almanach da Folha de Torres Vedras para o ano de 1906, faz expressa menção ao Montepio da Fábrica Nova da Romeira. Por essa altura existiam também em Alenquer, o Montepio Operário Alemquerense, que teria sido fundado em 1901, a Caixa Económica Operária Alemquerense e o Montepio de Nossa Senhora do Socorro.[4]
Este último, o Montepio de Nossa Senhora do Socorro, tido como «uma associação de socorros mútuos», era «composto por operários da fábrica de lanifícios, intitulada da Companhia» e já existia em 1893, quando um jornal local a ele se referiu nestes termos:
«(…) nem existência legal [tem], faz-se o desconto semanal a cada operário, sem nunca se saber para onde vai esse dinheiro, quem é a direcção, quais os estatutos reguladores, enfim nada – o que se sabe é que o operário no fim da semana recebe menos 40 réis do que ganhou, e se tem empregado na fábrica toda a família, composta de mulher, de um ou dois filhos, por exemplo, sofre de desconto 80, 120, ou 180 réis, quer ganhem pouco, quer tenham o ordenado de mestre, quer apenas o salário suficiente para pagar as quotas».[5]



Regressando ao ano de 1872, verifica-se que esse foi também o ano de fundação da Associação Humanitária Alemquerense. Esta instituição, segundo Goodolfim[6], em 1876 tinha 360 sócios e haveria de perdurar até à última década de oitocentos, muito embora a sua existência tenha sido algo inconstante, evidenciando dificuldades directivas, de gestão e mesmo de actuação, lá ia prosseguindo a sua actividade assistencial, possuindo facultativo próprio que, em 1888, era o Dr. Vilela[7].
Confirmando, de algum modo, o que acabou de ser dito, leia-se o que um redactor do O Alemquerense escreveu:
«Os nossos [dos alenquerenses] sentimentos altruístas estão de um modo negativo tristemente representados numa cadeia imunda, horrorosa, num hospital donde os absolutamente pobres fogem de lá entrar, preferindo ficar em casa cheios de privações estendendo a mão à caridade, numa sociedade de socorros mútuos [a Associação Humanitária Alenquerense] que existindo há 18 anos a sua prosperidade avalia-se na razão inversa do progresso da riqueza e população de Alenquer».[8]
Numa outra vertente, a do cooperativismo, conhece-se a existência da Cooperativa Operária Alemquerense fundada em 12 de Fevereiro de 1892 e legalizada por escritura celebrada a 7 de Dezembro do ano seguinte, surgindo muitas vezes associado a ela o nome de José Alves André. Já no primeiro quartel do século XX, existia na vila a Cooperativa Familiar de Alenquer.
No ano de 1895 publicou-se nesta vila o semanário A Cooperativa, tendo sido dados à estampa seis números, entre 18 de Julho e 22 de Agosto. Não sabemos se tinha ou não ligações à Cooperativa Operária Alemquerense, uma vez que os artigos não eram assinados e o seu cabeçalho, que proclamava tratar-se de um «órgão das associações operárias e do operariado em geral», omitia referências a qualquer nome.
Este periódico imprimia-se na Tipografia e Papelaria H. Campeão e teve como editor Georgino Alberto Corrêa. A linguagem utilizada era radical e violenta, sendo disso exemplo o excerto que se transcreve e que aponta como missão da classe operária:
«(…) esmagar, reduzir ao nada e submeter a um princípio pregado pelo Nazareno, os incansáveis abutres que nos devoram lentamente».[9]
De todas as associações aqui referidas, uma delas, a Caixa Económica Operária Alemquerense, talvez mereça notícia mais desenvolvida, porque nela vemos a precursora das instituições de crédito que esta vila de Alenquer teve e tem. Por isso mesmo sobre ela falaremos no nosso próximo escrito.                                                                                                         







[1] - Movimento operário e anti burguesia que levou ao derrube do rei Luís Filipe I e à implantação da II República (1848-1852).
[2] - Ecco dos Operários, n.º 7, (12 de Junho de 1850), p. 2.
[3] - Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria – Inquérito Industrial de 1881: Inquérito Directo, Segunda Parte, Visita às Fábricas, Vol. I. p. 147.
[4] - Ibidem, p. 143.
[5] - “Associações de Socorros Mútuos», in O Alemquerense, n.º 283 (4 de Agosto de 193), p.3.
[6]  - José Cipriano da Costa Goodolfim – A Associação, Lisboa, Seara Nova, 1974, p. 180.
[7] - O Alemquerense, n.º 12 (29 de Março de 1888), p. 3.
[8] - O Alemquerense, n.º 209, (4 de Março de 1892), p. 1.
[9]  - A Cooperativa, n.º 1, (18 de Julho de 1895), p. 1.

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