PUBLICADO NO JORNAL "NOVA VERDADE" DE 1 DE JUNHO DE 2016
A
CAIXA ECONÓMICA OPERÁRIA ALENQUERENSE (1893-1919)
Na
vila industrial e operária que Alenquer foi, nasceu no dia 7 de Dezembro de
1893, no escritório do tabelião Francisco Maria Regada, a sociedade cooperativa
de crédito denominada Caixa Económica
Operária Alenquerense cujos estatutos foram publicados no Diário do Governo de 10 de Janeiro de
1894. Esta será tão só a certidão legal de nascimento, porque na realidade a Caixa teve por berço a casa do Padre
Caetano da Rocha Branco, quando no dia 27 de Fevereiro de 1892, a convite de
José Ignacio dos Santos e de José Maria Quintella, aí se reuniram para esse fim
José Alves Godinho Évora, Sebastião Correia dos Santos, A. F. Carneiro Araújo,
António Joaquim d’Almeida, Manuel Marques, Joaquim de Sousa e Leonel Tibúrcio.
Dizem
assertivamente alguns estudiosos que o Portugal oitocentista, atrasado e rural,
viu passar-lhe ao lado a Revolução Industrial que desde o século anterior cavalgava
o continente europeu. No entanto, algumas terras portuguesas, como a nossa
Alenquer, assistiram na segunda metade do século XIX ao nascimento de bolsas
industriais e, com elas, ao surgimento de uma classe operária economicamente
vulnerável, que quando a crise lhe batia à porta, não era muito diferente
daquela outra que Victor Hugo, expoente francês de “um romantismo literário a
que ele próprio atribuiu um desígnio social”, bastas vezes e em cores bem
fortes retratou na sua obra, tal como o viriam a fazer os “realistas” Zola ou
Flaubert que, igualmente, souberam transportar para os seus livros as vidas
miseráveis dos operários de então, “acorrentados” às máquinas que
revolucionavam o mundo e desvalidos perante as dificuldades das suas vidas tão
vulneráveis.
Ora,
foi precisamente para combater essas situações de carência, mesmo de miséria,
consentidas pela inexistência de um Estado ainda sem preocupações sociais que
providenciasse subsídios de desemprego, de doença e reformas, que então
nasceram e se multiplicaram estas instituições que, tal como a nossa, tinham
como fim “arrecadar as economias ou depósitos dos sócios, colocando-os segura e
proveitosamente por meio de empréstimo, penhor, caução ou compra de valores” ao
dispor dos sócios necessitados, segundo as condições expressas nos Estatutos.
A
PRIMEIRA INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO DA VILA?
Esta
cooperativa de crédito, em alguns aspectos precursora das actuais instituições
bancárias e mesmo das de previdência social, identificava-se por um “timbre”, de
forma elíptica, tendo no centro o emblema do trabalho e em volta a legenda da
sociedade e a data da sua fundação (27 de Fevereiro de 1892).
O
seu capital, ilimitado, provinha: da venda dos estatutos, diplomas e
cadernetas; das quotas dos sócios (semanais e registadas em caderneta); dos
juros dos empréstimos, de quantias legadas e de quaisquer outros lucros
produzidos pelas suas transacções.
Corroborando
a leitura evidente dos nobres objectivos sociais que esta cooperativa
alenquerense prosseguia, a acta da sua Assembleia Geral que regista a sessão solene
comemorativa do seu terceiro aniversário, a qual decorreu no salão nobre do
novíssimo edifício dos Paços do Concelho, no dia 19 de Março de 1895, oferece o
relato das intervenções proferidas por algumas conhecidas figuras da Alenquer
de então:
Primeiro,
a do Dr. Francisco de Magalhães «o qual disse que aceitou o convite que lhe foi
feito, porque lhe é sempre grato assistir a actos onde se fale do operariado».
Continuando, «referiu-se à evolução social desde os tempos primitivos e aos
operários de Alenquer, e disse que se congratulava pela sua ilustração.
Pediu-lhes também que frequentassem a Biblioteca (com que entretanto a cooperativa
havia dotado a sua sede) pois ali encontrariam onde frutificar o espírito,
porque a evolução social há-de fazer-se pela instrução e não pela força»,
interessante afirmação esta que desmente a truculência por muitos atribuída ao
republicanismo local.
Seguiu-se-lhe
a do Dr. Abílio Gil Ferrão «que desenvolveu concisamente quais as ciências mais
necessárias aos operários» e «lamentou que o operário seja desleixado na frequência
da Escola Industrial» essencial «para serem bons artífices e não máquinas
braçais, sem compreenderem o fim que devem ter em mira, para o bem da sua
enorme classe social».
Depois
seguiu-se a do Sr. Teodoro da Cunha para falar das Caixas Económicas, «dizendo
que são instituições de previdência necessárias ao operário», e, por último,
guardou a acta a intervenção do Sr. António Ignácio dos Santos «nosso
incansável secretário, que leu um magnífico discurso (…) sobre o que são os
agiotas» traçando «os seus perfis com mão firme e justa incitando os operários
a que se filiem na Caixa Económica para se livrarem desse monstro (sic) que
suga as classes desfavorecidas de fortuna, os míseros que trabalham e que
necessitam de capital para desenvolver qualquer indústria ou qualquer negócio».
Acrescenta o redactor da acta que «o seu discurso causou impressão no selecto
auditório, pois continha verdades como punhos» sendo por isso saudado com
prolongada salva de palmas.
Era,
pois, a Caixa Económica uma
instituição a que os sócios, e mesmo os não sócios, podiam recorrer em caso de
«aflição», contraindo empréstimos nas seguintes condições: a) até noventa por
cento do seu capital depositado; b) por letra com fiador idóneo; c) sobre
penhor de objectos de ouro e d) por escritura pública de hipoteca sobre prédios
rústicos ou urbanos, até metade do seu valor.
Quando
reuniu pela primeira vez em Assembleia Geral no dia 26 de Fevereiro de 1893, na
sede da Sociedade União e Recreio (uma
das duas Bandas existentes, sendo a outra a Operária
Alenquerense com sede na “Arcada” e antecessora da actual SUMA), a Caixa possuía já 160 sócios que haviam
entrado com um capital de 114.500 réis. Quando se extinguiu em 1919, tinha esta
instituição 25 sócios, menos seis do que os 31 que constam de uma relação
existente datada de 31 de Dezembro de 1918, sendo que desde 1912 esta Caixa não
tinha uma «vida regular», por isso se entendendo «apresentação de contas e
renovação dos órgãos directivos nos termos estatutários».
Ao
longo da sua vida, presidiram à Direcção, sucessivamente, José Joaquim dos
Santos Guerra, Padre Caetano Ferreira da Rocha Branco – Pároco de Triana, José
de Oliveira, João António de Oliveira, Abraão Evangelista, Manuel Ataíde,
Bernardo José Alves e João Carlos Sant’Ana (este último desde 1909 até à sua
extinção). Pelos corpos directivos passaram nomes conhecidos como os de Salomão
dos Santos Guerra, gerente da fábrica da Chemina, José Alves Godinho Évora,
administrador e gerente da Fábrica de Papel, José Dionísio Leitão, proprietário
e comerciante em Santa Catarina, Januário Bento Pereira, comerciante, José
Alves Fevereiro, comerciante e industrial de tipografia na Rua de Triana, João
Carlos Mendonça, compositor e músico, guarda-livros na Fábrica do Meio, Artur
Ferreira da Silva, proprietário e comerciante, em 1917 administrador do
concelho, Gregório da Silva Rosa, farmacêutico, e muitos outros.
O
OCASO DA INSTITUIÇÃO
Porém,
se as elites políticas e culturais da
vila ligadas às correntes mais progressistas, nomeadamente ao republicanismo,
souberam compreender os fins desta instituição e o que ela significava para o
desfavorecido operariado local, esse, salvo excepções, manteve-se um tanto ou
quanto alheado da sua existência, conclusão que pode extrair-se dos muitos
lamentos lavrados em acta.
É
certo que havia um motivo determinante para isso: os baixos salários que não
deixavam margem para economias. Todavia a Caixa
cresceu e, em pouco tempo, já funcionava em instalações arrendadas no bairro do
Areal, atingindo, no seu auge, mais de 500 associados.
Em 1906, procurando contornar algumas
dificuldades, tentou a Caixa Económica
Operária alargar a sua base social de associados, pelo que procedeu a uma
revisão estatutária, sendo a escritura celebrada no cartório do notário Abílio
Gil Ferrão, sito na então Rua Tenente Valadim (hoje Maria Milne Carmo), no dia
29 de Dezembro desse ano, passando então a cooperativa a designar-se, tão só, Caixa Económica de Alenquer.
Como
causa da sua extinção, a acta da última Assembleia Geral, redigida em 23 de
Março de 1919, refere que a Caixa se dissolvia por não ter condições de vida e
«nada justificar actualmente a sua existência», referindo, ainda, «a cessação
completa do movimento associativo e absoluto desinteresse dos sócios por esta
colectividade», pelo que o lucro de 355$40 existente foi mandado distribuir
pelos sócios ainda no activo, como dividendo, enquanto o mobiliário e o acervo
da biblioteca foram entregues ao “Centro Republicano” local.