PUBLICADO NO JORNAL "NOVA VERDADE" DE 1 DE ABRIL DE 2017

DANTAS PEREIRA, O ALMIRANTE ERUDITO


Por ocasião do Congresso do Espírito Santo e em conversa com um conhecido professor da Universidade do Minho, disse-me ele: Alenquer é a terra natal de gente muito ilustre, como o almirante Dantas Pereira que, assim o penso, na sua Alenquer é uma figura desconhecida. Por acaso conhece-o?
Respondi afirmativamente e acrescentei que não só o conhecia, como ainda há pouco tempo havia adquirido, num leilão de papéis antigos, um documento autógrafo de outro ilustre homem do mar, o capitão-de-mar-e-guerra António Marques Esparteiro, com apontamentos sobre a vida militar de Dantas Pereira.
Isto pareceu surpreender o distinto professor, mas, convenhamos, para os que gostam de história local, o almirante alenquerense não é um desconhecido, bem pelo contrário, embora por vezes no que respeita a alenquerenses ilustres, tudo pareça esgotar-se em Pero de Alenquer e Damião de Góis…
E, já que falámos em Pero de Alenquer, o piloto do Gama sobre o qual se sabe tão pouco para além do nome que indica ser ele de Alenquer, é igualmente interessante verificar como a nossa terra deu à marinha nomes tão notáveis, em todas as épocas, como o citado Pero de Alenquer, ou o capitão-tenente Oliveira e Carmo, o herói da India, ou, ainda, a título de exemplo, Manuel de Mesquita Perestrello, de quem Guilherme Henriques disse que «a sua vida dava um filme», de tão aventurosa que foi em mar e em terra, em África e no Oriente, que quando dele falo logo me vem à ideia esse outro “peregrino” de nome Fernão Mendes Pinto. Deste Perestrello natural de Alenquer, mais propriamente da Quinta (hoje Casal) da Cabreira, publicou Henriques O Naufrágio da Nau S. Bento e O Roteiro no “Fascículo III” da “Parte IX” que acrescentou ao Alenquer e o seu Concelho.
Assim, se quiséssemos falar de alenquerenses que se evidenciaram pelos seus feitos náuticos, não nos faltaria tema, mas será de Dantas Pereira, marinheiro erudito e cientista, o que nasceu em Alenquer e morreu em França, que hoje aqui falaremos.

DE ALENQUER AO BRASIL



José Maria Dantas Pereira de Andrade nasceu na vila de Alenquer no dia 1 de Outubro de 1772, filho de Vitorino António Dantas Pereira, porta-bandeira graduado do Corpo de Engenheiros, e de D. Quitéria Margarida de Andrade (apelido que ainda usou). Autores há que afirmam serem pobres os seus progenitores, o que não obstou a que lhe tivessem proporcionado uma educação superior.
Foi discípulo da Real Academia da Marinha «pelo indulto dos seus estudos na conformidade do Decreto de 14 de Dezembro de 1782» e, após isso, assentou praça como “aspirante guarda- marinha” por aviso de Sua Majestade de 10 de Setembro de 1788, expedido por Martinho de Mello e Castro, ministro e secretário de Estado, da Repartição da Marinha, em conformidade com a proposta do comandante da Companhia de guardas-marinhas, o Conde de S. Vicente, ao tempo marechal de campo. Como aspirante, registe-se que frequentou com grande sucesso o respectivo curso, tendo passado a guarda-marinha por Aviso de 10 de Setembro de 1788, igualmente por proposta do seu comandante, o Conde de S. Vicente.
Em 17 de Dezembro desse mesmo ano de 1788 passou a primeiro-tenente (saltando o posto de segundo-tenente), após exame efectuado, conforme costume da época, na presença dos soberanos, com a condição de ficar na Companhia e Academia de guardas-marinhas (instituição antecessora da actual Escola Naval) para onde foi nomeado professor de Matemática e professor do infante D. Pedro Carlos de Bourbon. E se em 1790 já era professor, em 1798, em resultado da sua brilhante carreira docente, foi nomeado membro da Sociedade Real Marítima (de existência efémera). Em 1792, tornou-se membro correspondente da Academia de Ciências, da qual se tornou sócio efectivo passados poucos anos. Em 1795, foi-lhe passada carta de lente a Matemática com o significativo ordenado de 400$000 ao ano e por Decreto de 20 de Outubro de 1796 foi promovido a capitão-tenente, conhecendo novas promoções, a capitão-de-fragata por Decreto de 11 de Maio de 1797 e a capitão-de-mar e guerra por Decreto de 12 de Janeiro de 1801.
Esta fulgurante carreira como docente dos “guardas-marinhas” levá-lo-ia, ainda com 28 anos de idade, ao comando da Companhia de Guardas-Marinhas, o que aconteceu por Aviso de 21 de Junho de 1801 expedido por D. Rodrigo de Sousa Coutinho, então Ministro e Secretário de Estado da Marinha.
Em 1807, na iminência da primeira invasão francesa, a de Junot, a Corte partiu para o Brasil e com ela foi Dantas Pereira.

DO BRASIL AO EXÍLIO EM FRANÇA

Quando da atribulada retirada da Corte para o Brasil, coube a Dantas Pereira organizar o embarque da Companhia Real dos Guardas-Marinhas e da sua Academia, alfobre de futuros oficiais de que a real casa se quis fazer acompanhar. Mas, não se ficou por aí o seu papel neste dramático acontecimento, pois providenciou também o embarque de todo o acervo do “Depósito de Escritos” de incalculável valor documental, didáctico e científico, fundo esse que organizara em 1802 como biblioteca da Companhia Real que comandava. Assim, sob a sua orientação, tudo e todos seguiram para terras de Vera Cruz a bordo da nau “Conde D. Henrique” e da charrua “São João Magnânimo”.
Será já na providencial colónia brasileira, com a Academia Real de Guardas-Marinhas por si instalada no Mosteiro de S. Bento, no Rio de Janeiro, que a carreira militar de Dantas Pereira conheceria novo impulso, quando por Decreto de 8 de Março de 1808 foi promovido a Chefe de Divisão. Depois, com o arrastar da Corte por essas terras de além-mar, seria graduado em Chefe de Esquadra (Contra-Almirante) em 15 de Novembro de 1817, aceitando-se-lhe a demissão de comandante dos guardas-marinhas, passando, finalmente, a Chefe de Esquadra efectivo em 13 de Maio de 1819.
Regressando a Portugal em 1819 fá-lo como membro do Conselho do Almirantado (função a que andava anexo o título do conselho do rei), sendo então agraciado com a comenda da ordem Militar de Cristo, ordem da qual era já Cavaleiro desde 1803. No conturbado Portugal de então, abalado pelo tremendo choque entre absolutistas e liberais, vê-se a exercer as funções de Conselheiro de Estado entre 1820 e 1823.
Por essa altura, a 24 de Junho de 1823, contraiu matrimónio com D. Maria Eugénia Cunha, filha única de José Martins da Cunha Pessoa, notável químico e médico da Real Câmara. Desse casamento houve uma extensa prole de nove filhos, dos quais os mais notáveis foram o primogénito João de Castro Dantas Pereira (outra vida que dava um filme), professor distinto e oficial de artilharia e o jornalista e escritor Pedro Maria Dantas Pereira.
Com o governo absolutista de D. Miguel, Dantas Pereira ocupou um lugar na Assembleia dos Três Estados como representante da nobreza, isto a partir de 1828, tendo sido nomeado para diversas comissões especiais encarregadas dos processos dos presos políticos.
Com a vitória dos liberais e a assinatura da Convenção de Évoramonte, Dantas Pereira exilou-se primeiro em Inglaterra e depois em França, onde faleceu no dia 22 de Outubro de 1836, na cidade de Montpellier.

O ERUDITO




Relevante foi a sua carreira naval ao ponto de vir a ser considerado «o mais brilhante oficial da Marinha» do seu tempo, a ele se devendo elevados contributos para a sua história e para a sua organização e modernização no século XIX. Como estudioso seria consagrado pela Academia de Ciências a que pertenceu desde 1792 e de que foi Secretário-Geral eleito, cargo que desempenhou até 1833. Foi também membro da Sociedade Filosófica de Filadélfia.
Em França, pouco tempo antes de falecer, foram publicados uns apontamentos sobre a sua vida dos quais consta a vasta obra escrita, a qual surge arrumada em três secções: Matemáticas, Marinha e Literatura. Poupamos o leitor aos títulos das suas obras, contudo diremos que nas Matemáticas estão relacionadas 8 obras; na Marinha, cerca de três dezenas de obras, entre memórias, reflexões, orações (discursos), ensaios e escritos e na Literatura reúne quase igual número de escritos abarcando os mais variados temas, desde o político ao religioso, desde a história à geografia.
Opúsculos, livros, folhas, artigos em jornais, obras da Academia, etc. foram veículos que utilizou para transmitir o seu profundo saber, em muitos casos editados à sua custa e distribuídos gratuitamente. A sua vida de estudioso vive hoje através da sua obra. A sua memória como filho de Alenquer, essa está muito diluída e não é uma rua com o seu nome nos Cabeços, freguesia de Alenquer (honra para os Cabeços) que a torna mais viva.








Mensagens populares deste blogue