PUBLICADO NO JORNAL "NOVA VERDADE" DE 1 DE DEZEMBRO DE 2017

OS INGLESES DA CARNOTA (II)

GUILHERME JOÃO CARLOS HENRIQUES




Guilherme João Carlos Henriques, afilhado de John Smith Athelstane, Conde de Carnota, e seu herdeiro, é o segundo «inglês» de quem aqui trataremos. Tal como o primeiro, era assim chamado pelas gentes locais que sempre viram nele um verdadeiro amigo e muito o estimavam, como aliás todo o concelho de Alenquer, onde foi figura celebrada pelo seu bom carácter, pelo seu amor à terra que o acolheu e por tudo quanto por ela fez, particularmente como historiador local.
Também como Athelstane, nasceu em Inglaterra no dia 27 de Março de 1846, recebendo o nome de William John Charles Henry. Foram seus progenitores Sarah Judge e Guilherme Henriques (William Henry), paternidade que consta dos registos paroquiais de seus filhos. Todavia, memorialistas e até seus familiares, falam-nos de um possível casamento ou união de sua mãe Sara Judge com John Athelstane, referindo a existência de um documento comprovativo desse acto, que teria surgido quando do seu segundo casamento em Londres, sendo Guilherme J. C. Henriques, afinal, fruto desse matrimónio ou união. Admitindo essa hipótese, teria mesmo existido um “Guilherme Henriques” (pai) ou será esse um nome de circunstância declarado à igreja para preencher o formalismo dos registos paroquiais?
Tendo Athelstane abraçado a religião católica, foi William J. C. Henry levado à pia baptismal, num acto religioso apadrinhado pelo Duque de Saldanha, amigo íntimo da família e cunhado do Conde da Carnota, sendo então o seu nome aportuguesado para Guilherme João Carlos Henriques, curiosamente “João Carlos”, como o seu padrinho João Carlos de Saldanha Oliveira e Daun, o conhecido militar e político dos primórdios da nossa monarquia constitucional.                                                                                                                              Ao longo da sua vida são-lhe conhecidos dois enlaces matrimoniais. Um primeiro, em 1867, com D. Maria de Jesus Henriques (1845-1914), segundo lemos, uma jovem camponesa de Refugidos, de que nasceram oito filhos (nascimentos confirmados nos registos paroquiais de Santo Estêvão e Cadafais): Maria Amália Henriques de Novaes e Athaide (21/10/1865-16/6/1949), Guilhermina Adelaide Henriques (9/7/68-31/8/1882), João Carlos Henriques (4/2/1870-20/1/1941), Guilherme Carlos Henriques (6/5/1871-?), os gémeos Manuel e Olívia Henriques (16/3/1873-13/3/1874 e 29/5/1910, respectivamente), Palmira (27/7/1874-16/10/1874) e Horácio Walpole Henriques (25/9/1875-2/3/1967). Em 1887, um ano depois de ter herdado a Quinta da Carnota, por falecimento do seu padrinho, contraiu Henriques um segundo matrimónio com D. Joana Ignez Maguire Henriques (1844-1903), senhora inglesa que, até à data da sua morte, em 28 de Novembro de 1903, muito o terá ajudado na gestão e embelezamento da sua notável propriedade alenquerense.


A OBRA LITERÁRIA DE GUILHERME JOÃO CARLOS HENRIQUES




No campo das letras, foi importante a obra de Guilherme Henriques, repartindo-se ela entre livros editados e artigos publicados em jornais, boletins e revistas. Uma obra vasta, motivo pelo qual  aqui só poderemos dar nota da que particularmente nos interessa, aquela que teve como objecto Alenquer e o seu Concelho, precisamente o título do seu primeiro livro publicado em português, em 1873, já que a sua estreia literária aconteceu um ano antes, em Londres, com The Truth, or Portugal Under a Liberal Governement.
Henriques iniciou esta sua ocupação como historiador com a prestimosa colaboração que dispensou a Athelstane para o livro que este escreveu intitulado The Marquis of Pombal by the Conde da Carnota, na sua segunda edição «bastante alterada». Terá desenvolvido esta actividade de investigador a pedido do seu padrinho, e foi ela que lhe despertou o gosto pela História e o levou à sua primeira grande obra, uma monografia sobre o concelho em que se estabelecera: a já referida Alenquer e seu Concelho. Este livro viria a alcançar um enorme sucesso e o reconhecimento do seu autor ao mais alto nível enquanto historiador, merecendo do rei D. Luís a comenda da Ordem de Cristo que por ele lhe foi imposta.
Com esta sua actividade Henriques terá compreendido bem a necessidade das terras «começarem a publicação dos seus annaes» e, a partir do êxito alcançado, decidiu partir para uma segunda edição muito mais ambiciosa, para a qual estabeleceu um plano editorial que nunca revelou e, como esse plano nunca se concluiu, hoje só é possível entrevê-lo nos acrescentos ou «partes» que ainda publicou. Num só caso, revelou a sua intenção de dar a conhecer em livro uma Parte VIII em que reuniria as biografias dos naturais do concelho de Alenquer, a qual, todavia, nunca chegou a publicar.
Assim, foram editadas: A Parte IX – Bibliographia Alemquerense, Fascículo II – A Relação de Duarte Correia, em 1901, pela Tip. e Pap. H. Campeão & C.ª, Alenquer, de onde também saiu no mesmo ano uma versão em inglês desse fascículo; Fascículo III - As Obras de Manoel Mesquita Perestrello: 1º O Naufrágio da Nao S. Bento; 2º O Roteiro, também em 1901, pela mesma tipografia.
Seria, certamente, desejo de Henriques reunir nesta Parte IX, os trabalhos de autores alenquerenses, pelo que começou por estes dois, pouco conhecidos e de difícil consulta pela sua raridade. Duarte Correia nasceu em Alenquer e notabilizou-se no Oriente ao serviço da Companhia de Jesus, vindo a ser supliciado no Japão, enquanto Perestrelo, reconhecido cosmógrafo, nasceu na Qt.ª da Cabreira em Alenquer para depois, qual Fernão Mendes Pinto, peregrinar pelo Oriente e por África em mil e um trabalhos aventurosos e esforçados.
Ainda em 1901, pela tipografia “A Liberal” de Lisboa, foi editada a Parte XI, A Freguesia de Santo Estêvão - Fascículo II, O Ex-Convento da Carnota. Este fascículo de 40 páginas viria a conhecer uma “3ª Edição” em 1914, impressa na Tip. José Assis & A. Coelho Dias, Lisboa, com alguns acrescentos à edição anterior, e uma 4.ª, em 1946, prefaciada pelo Dr. Luciano Ribeiro.
Por último, em 1902, saiu A Vila de Alenquer, Parte X, uma «2.ª Edição, Correcta e Augmentada», dada à estampa, também, pela “A Liberal” de Lisboa.
A vida e obra do alenquerense Damião de Goes mereceram igualmente a atenção de Henriques que, em dois volumes publicados em 1896 e 1899, impressos na tipografia de Vicente da Silva & C.ª, Lisboa, deu a conhecer os seus Inéditos Goesianos. E, neste caso, o título é perfeitamente justificado, pois à época”, no que respeita aos documentos que apresentou, tudo era novo, exceptuando parte do processo de Goes na Inquisição (2.º Volume), que havia sido já trabalhada e publicada por Lopes de Mendonça.
Henriques teve ainda preciosa colaboração em Revistas, Boletins e Jornais, ele que foi um dedicado coleccionador da imprensa local, havendo, até, títulos que só sabemos da sua existência por ele os haver revelado. Em Alenquer, colaborou no jornal Damião de Goes e no O Alenquerense. Dos artigos que publicou no primeiro recordamos um sobre um prelo que funcionou em 1612 na Qt.ª da Mascote e que terá sido o segundo do concelho de Alenquer (3/1/1892), um outro sobre uma tipografia instalada no Convento da Carnota em 1627, a terceira do nosso concelho, assim como uma série de artigos sobre as Invasões Francesas (n.ºs 174 de 28/4/1889 a 180 de 2/6/1889). No que respeita ao O Alemquerense, o segundo com esse nome (1888-1893), a título de exemplo recordamos um artigo seu sobre as irmãs e actrizes Ana e Maria Clementina Pereira e as circunstancias familiares que as levaram ao teatro (n.º 295 de Outubro de 1893).

OUTROS ASPECTOS DA SUA VIDA




Mas não só de História se fez a vida do ilustre alenquerense por opção. Henriques, sabemo-lo pelos escritos de um seu descendente, foi também poeta, referindo este que «utilizou a quadra, em que compôs largamente, tendo produções bem interessantes», como «o começo de um poema Alenquer em alexandrinos, onde exaltava a sua terra adoptiva».
Para além da sua vida literária, Guilherme Henriques foi um dos fundadores da “Câmara de Comércio Inglesa de Lisboa”, tendo, inclusive, redigido os seus Estatutos, dedicando a esta iniciativa entusiástica colaboração. No âmbito empresarial, ele que era um perito em marcas e patentes, fundou em 1880 uma empresa para actuar neste ramo, a qual ainda hoje existe sob a denominação “Francisco de Novaes”, sendo presidida desde 1954 por Francisco de Novaes, «agente oficial de propriedade industrial» que julgamos descendente de sua filha Maria Amália, ou ter com ela uma relação de parentesco.
Guilherme João Carlos Henriques faleceu na sua Quinta da Carnota no dia 22 de Maio de 1924. No Cemitério do Alto de S. João existe um jazigo da “Casa de Carnota” (jazigo n.º 4120) que ostenta seis das doze colunas vindas de Ceuta que D. João I ofereceu ao Convento da Carnota.






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