PUBLICADO NO JORNAL "NOVA VERDADE" DE 1 DE JANEIRO DE
Duas portas principais teve o castelo de
Alenquer, «a da Villa (na Praça) e a de Santo António (que primeiro se chamou
Carvalho por ir para a ponte d’este)». Quem o diz são Esteves Pereira e
Guilherme Rodrigues (que terão lido Pinho Leal – Portugal Antigo e Moderno de 1873) no Portugal, Diccionário Histórico, Chorographico, Heráldico [etc.],
publicado em 1904, mas igual identificação é possível encontrar na Crónica de D. João I, de Fernão Lopes, ou na setecentista Corographia Portugueza e
Descripçam Topografica [etc.] do Padre António Carvalho da Costa, que aí escreveu
que a vila de Alenquer «he cercada de muros com duas portas principaes, a da
Villa que está na praça, e a de Santo António, chamada antigamente do Carvalho,
que vay para a ponte da Coyraça».
Outro diccionarista,
o Padre Luiz Cardozo, escreveu no seu Diccionario
Geografico publicado em 1747, que o nosso castelo era fortaleza «(…) com
muitas ruinas; mas ainda com inteira forma se conservão com Castello, torres,
baluartes, e cortinas; e com cinco entradas, duas principais entre torres, huma
junto ao Castello e duas em uma cortina (…) Por fóra da porta do Carvalho, e na
sua barbacã, se levanta da margem do rio uma couraça (…)». Logo há que
acrescentar às duas portas principais dois «postigos» que deitavam para a hoje
chamada Encosta, situando-se o
principal, mais ou menos, por cima do terreno onde actualmente se monta o
monumental Presépio. A quinta entrada, que dava para a arruinada Igreja de S.
Tiago, é tida como a tradicional porta da
traição.
Quis o azar que um dia o nosso historiador
maior, Guilherme João Carlos Henriques, tivesse chamado à porta da Vila, porta
do Carvalho, para que, por simpatia,
o nome pegasse… Mas não, a que teve vários nomes foi aquela que se abria ao
rio, junto à Torre da Couraça, que se chamou do Carvalho, de Santo António, da
Conceição ou Arco da Conceição. A outra, a da Vila, deitava para a Praça e
ficava no acesso ao bairro que hoje chamamos por igual «da Judiaria». Esta,
muito atingida pela terramoto de 1755 que fez desmoronar uma das suas duas
torres, veio definitivamente abaixo com as obras de construção do edifício dos
Paços do Concelho que tiveram o seu início em 1887.
O
ARCO DA CONCEIÇÃO
Uma pergunta embaraçosa que um visitante
poderá fazer a um alenquerense, será esta: Onde
fica o Castelo? Embaraçosa porque tendo ele, castelo, passado por tantas
vicissitudes e glórias, das suas torres e muralhas pouco resta. Lá bem no alto,
na alcáçova, sobreviveu um pequeno segmento da muralha sustentando-se em
difícil equilíbrio, mais uns quantos alicerces de torres e de outras
construções.
As obras da «variante por dentro da vila»,
que se fizeram entre 1884 e 1886, para levar à Vila Alta os materiais exigidos
à construção do actual edifício camarário, acabaram com o antigo largo medievo
e, com ele, foi-se também a pequenina ermida de N. Sr.ª do Monte do Carmo que,
ao ser construída, incorporara materiais de uma Torre de S. Prisco, demolida
por volta de 1780, segundo Bento Pereira do Carmo.
Mas, do largo da Câmara ao Arco da
Conceição, este troço da nova variante, hoje denominado Rua Pero de Alenquer
(vulgo Rua dos Muros), obrigou ainda à demolição da muralha inferior do Castelo,
rompendo a mesma muralha junto a esse Arco, para através da actualmente denominada
Alameda Rainha D. Sancha se ligar à estrada para o Alto Concelho.
Quanto ao Arco da Conceição, antiga porta
do Carvalho, esse nem sempre teve o ar acastelado que lhe conhecemos e que nos
tira do embaraço quando a tal pergunta surge, pois o seu new look de castelo altaneiro foi-lhe dado em 1940.
Vejamos o que levou a essa intervenção, recuando
à primeira metade do séc. XVIII. Segundo Henriques, «havia sobre este arco um
quadro representando Nossa Senhora da Conceição, bastante antigo, porém pouco
notável». Próximo de 1740 «alguns devotos recorreram a esta Senhora nas suas
aflições e achando bom resultado na sua intercessão, espalharam a fama dos
benefícios recebidos. Acudiram mais fiéis; e, pouco a pouco se juntou uma
grande porção de objectos prometidos, que os devotos penduravam na parede em
redor do painel. O dr. Domingos Ribeiro Pimentel, então prior da Várzea, vendo
que a devoção aumentava, mandou fazer sobre o arco uma capela, na qual colocou
o quadro e uma casa de residência».
Com estas construções sobre o arco e do
que restava da muralha circundante, o local perdeu de todo o seu ar de
imponente de porta intransponível, daí que, perto de 1940, quando Portugal se
aprestou para as comemorações chamadas do «duplo centenário» - da nacionalidade
(1140) e da independência (1640) - tivesse sido delineado também para Alenquer
um programa comemorativo, o qual, entre outros eventos, passou por uma
intervenção profunda no Arco da Conceição de modo a devolver-lhe a dignidade
guerreira há muito perdida.
Ao tempo era proprietária do edificado a
Junta da Paróquia de Triana (antecessora da Junta de Freguesia) e aí residiam
como seus últimos ocupantes, «José Mouguelas e a sua mulher, a Chica do Arco»
(Filipe Rogeiro, Alenquer Desaparecida).
As obras foram executadas pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais, sob a orientação local do Dr. Luciano Ribeiro e de Hipólito Cabaço,
tendo sido levadas a cabo escavações arqueológicas que comprovaram a «ocupação
pré-histórica do local». Este conjunto foi classificado como Imóvel de
Interesse Público pelo Decreto-Lei n.º 40.361 de 20 de Outubro de 1965.
A
CERIMÓNIA DE INAUGURAÇÃO
As ditas «Comemorações Centenárias» locais
foram programadas por uma comissão constituída por Graciano Palha, dr. Luciano
Ribeiro, dr. Machado da Silva, Jorge Carmo, Padre Ladislau da Costa, Isidoro
Guerra, Manuel Gonçalves e Hipólito Cabaço, sendo curioso verificar que do
programa elaborado por esta comissão, constou um ciclo de conferências e a
transladação dos restos mortais de D. António Prior do Crato, aclamado em
Alenquer como D. António I, rei de Portugal, para o Convento de S. Francisco,
conforme vontade daquele expressa em testamento. O eclodir da II Guerra Mundial
inviabilizou a concretização deste último acto.
As cerimónias tiveram o seu início no dia
2 de Junho com a celebração de um Te Deum
na igreja de S. Francisco, tendo subido ao púlpito o rev. Costa Nunes que
«fez um sermão de exaltação patriótica». Pelas 16 horas, no salão nobre dos
Paços do Concelho, seguiu-se uma sessão solene «muito concorrida, vendo-se
muitas senhoras», sob a presidência do então presidente da Câmara, Jaime
Augusto Ferreira. Esta sessão terminou com uma conferência proferida pelo Dr.
Luciano Ribeiro, intitulada Alenquer
através da História.
No dia 4 de Junho, pelas 11 horas, frente
ao edifício dos Paços do Concelho, formou-se um longo cortejo composto pelas
entidades oficiais, por uma Lança da Legião Portuguesa comandada pelo Dr. Francisco
Pinheiro Gorjão, pelos Bombeiros Voluntários sob o comando do Dr. Machado da
Silva, por um Pelotão da Base Aérea N.º 2, da Ota, sob o comando do Tenente
Henrique Tomé, pela Banda da Sociedade União Musical Alenquerense, dirigida
pelo seu maestro José Carlos de Sousa Gomes, crianças e muito povo.
Chegados ao Castelo (Arco da Conceição), o
Dr. Luciano Ribeiro proferiu um «entusiástico e patriótico discurso», após o que
a Banda tocou o Hino Nacional enquanto pelo presidente da Câmara, sr. Jaime
Ferreira, era arvorada a bandeira da Fundação. Perante esta, «o terno de
corneteiros da Base Aérea da Ota tocou a marcha
de continência e o Pelotão da Base e a Lança da Legião apresentaram armas».
Escreveu a imprensa que «nesse dia o
grandioso edifício dos Paços do Concelho estava lindamente engalanado com
muitas bandeiras da Fundação e a iluminação que apresentou à noite era de um efeito
surpreendente». Assim passámos a ter Castelo para mostrar aos visitantes.
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Com este artigo encerra-se um ciclo de
dois anos, no decorrer do qual publicámos neste jornal 24 páginas. Fecha-se
assim a Janela do Tempo, através da qual deitámos um olhar à nossa
História local.
Resta-me agradecer ao Nova Verdade a
oportunidade concedida. Sei, porque eles mo diziam, que esta página teve os
seus fiéis leitores, pelo que deles também me despeço grato pela companhia que
me fizeram.
E porque não há janela que sempre fique
fechada, quem sabe? Talvez um dia ela volte a abrir-se, para com os meus ou
outros “olhos” curiosos rasgarmos a névoa do tempo e alcançarmos o passado
comum, onde continuam a residir todos quantos um dia fizeram grande a nossa
Alenquer. Até sempre ou até um dia.